Tradução Comparada do Gayatri Mantra
O Gayatri Mantra (do Rig Veda 3.62.10) é um dos mantras mais sagrados do hinduísmo, dirigido à energia solar como símbolo da iluminação interior.
Existem muitas contradições a respeito da tradução mais fideldigna, pois o sânscrito é uma língua extinta, pois não há mais falantes vivos ou sociedades que se utilizem dele no dia-dia para a comunicação usual.
Ela existe apenas em livros antigos ou utilizada como comunicação técnica de livros religiosos.
Procuraremos fazer uma tradução o mais próxima do sentido real, posto que muitas palavras que são utilizadas no idioma original perdem o seu sentido quando traduzidas, seja por não haver um correlato exato, seja por uma interpretação semântica muito limitada (pobre) ou fantasiosa demais.
Para tanto, devemos considerar que uma tradução fiel deve considerar:
1) – O texto original em sânscrito:
ॐ भूर्भुवः स्वः
तत्सवितुर्वरेण्यं
भर्गो देवस्य धीमहि
धियो यो नः प्रचोदयात्
2) – A Transliteração:
“Om Bhūr Bhuvaḥ Svaḥ
Tat Savitur Vareṇyaṃ
Bhargo Devasya Dhīmahi
Dhiyo Yo Naḥ Prachodayāt”
3) – A Tradução do texto original, palavra por palavra:
Om = Som primordial, união com o Absoluto
Bhūr = Planeta Terra (existência física)
Bhuvaḥ = Atmosfera ou mundo sutil (existência psíquica/astral)
Svaḥ = Céu (existência mental/celestial)
Tat = Aquilo (o Divino)
Savitur = Da Luz de Todas as Luzes , do Sol (Savitr, o estimulador divino)
Vareṇyaṃ = Mais digno de adoração
Bhargo = Esplendor/luz espiritual
Devasya = Da Divindade
Dhīmahi = Meditamos
Dhiyo = Intelecto/faculdades mentais
Yo = Que
Naḥ = Nosso
Prachodayāt = Ilumine, inspire
4) – A Tradução Literal (mais fiel ao sânscrito):
“Sol de Todos os Sóis (Brahman), na Terra, no espaço e no mundo celestial!
Meditamos no esplendor adorável da divina Luz (eterna) de Todas as Luzes (Savitr).
Que Ele inspire nossa mente (intelecto).”
5) – A Tradução Poética (sem perder o sentido original):
“Luz Eterna que ilumina todo o universo,
Me curvo diante de Ti, Sol de Todos os Sóis.
Meditemos em a Tua luz divina.
Que a nossa mente seja inspirada por Ti.”
Diferenças Chave em Outras Traduções
6) – As polêmicas mais comuns:
“Sol” vs “Deus”:
Savitur refere-se especificamente ao Sol como força divina (não a um deus pessoal).
Algumas versões ocidentais traduzem como “Deus”, perdendo a conexão védica com a energia solar.
“Ilumine” vs “Guie”:
Pracodayāt implica estimulação interna (não direcionamento externo).
Os Três Mundos (Bhūr, Bhuvaḥ, Svaḥ):
Representam os planos de existência no Vedanta, muitas vezes simplificados erroneamente.
Estes planos são respectivamente:
Bhur (Bhurloka – todo o universo material e físico [sensorial], tal como o conhecemos);
Buvah (Buvahloka – o universo psíquico ou astral, o universo que experimentamos todos os dias, enquanto estamos sonhando);
Svah (Svahloka – o universo mental, além da forma, que experimentamos diariamente durante o sono, mesmo sem a lembrança dele, no estágio que a psicologia chama de “sono sem sonhos” ou sono profundo – Este estado de consciência também é conhecido por muitas religiões como céu ou paraíso, durante o período do bardo mental [3ª morte da personalidade]).
É importante lembrar que na filosofia hindú ha 14 planos diferentes (lokas)1* de multiversos ou planos que se interpermeiam simultâneamente. Os três planos citados no mantra são apenas alguns entre todos os possíveis.
Por Que Essa Tradução Pode Ser Considerada Fidedigna?
Porque é baseada no Rig Veda:
Porque mantém a estrutura original de invocação aos três mundos.
Porque preserva Savitr como princípio solar (não uma divindade antropomórfica).
Porque é apoiada por Comentários Clássicos:
Sayana (século XIV): Interpreta bhargo como “luz que dissipa a ignorância”.
Swami Vivekananda: Traduz dhiyo como “faculdades de discernimento”.
Porque busca resgatar o contexto espiritual correto:
O mantra é uma invocação à luz da consciência (não uma oração de pedida).
O Sol (Savitar) simboliza o despertar da percepção interior.
Versão para Recitação (Fonética e Significado)
Om (Absoluto)
Bhūr (Terra) Bhuvaḥ (Atmosfera) Svaḥ (Céu)
Tat (Aquilo) Savitur (do Sol) Vareṇyaṃ (Adorável)
Bhargo (Esplendor) Devasya (Divino) Dhīmahi (Meditamos)
Dhiyo (Intelecto) Yo (Que) Naḥ (Nosso) Pracodayāt (Ilumine)
Conclusão
Uma tradução fiel precisa manter:
✅ A estrutura tripla dos mundos (físico, sutil, causal)
✅ O Sol como símbolo da consciência iluminadora
✅ O verbo dhīmahi (“meditamos”), que indica ação contemplativa (não súplica)
“O Gayatri não é uma oração a um deus externo, mas um chamado à luz interior.”
— Sri Aurobindo
Para estudos mais profundos, recomenda-se os comentários de Swami Dayananda Saraswati no livro “The Light of the Gayatri”.
*1 – Descrição dos lokas (Planos de existência) segundo a cosmologia hindu:
Na mitologia hindu, a concepção de universo é baseada em 14 planos, chamados de lokas. Estes lokas são divididos em sete planos acima da Terra (planos celestiais) e sete planos abaixo da Terra (planos terrestres e infernais).
Os 7 lokas acima da Terra:
Bhur Loka: Mundo terrestre (o mais denso entre os mundos emersos).
Bhuvar Loka: Atmosfera superior.
Svar Loka: Mundo dos deuses, ou céu.
Mahar Loka: Lar dos Rishis (santos).
Jana Loka: Lar dos filhos de Brahma.
Tapa Loka: Lar dos seres celestiais resistentes ao fogo.
Satya Loka: Casa de Brahma, plano de realidade suprema (o mais sutil e espiritualizado entre todos os mundos).
Os 7 lokas abaixo da Terra:
Atala Loka: Lar de seres que seduzem.
Vitala Loka: Lar de Hara Bhava, com muito ouro.
Sutala Loka: Lar de seres de diferentes naturezas.
Rasatala Loka: Mundo dos Yakshas e Gandharvas.
Mahatala Loka: Lar de seres com poderes específicos.
Naraka Loka: Planos infernais, onde as almas são punidas.
Patala Loka: Plano mais profundo, lar de Vasuki, a cobra cósmica (o mais denso entre os mundos subterrâneos, mas embora seja o mais inferior, o conceito de inferno é diferente do myalba (mṛtyuloka) do budismo tibetano, do naraka do hinduísmo e do avichi do budismo).
Estes planos são vistos como etapas na jornada espiritual, com os planos superiores sendo os mais próximos de Brahma e os planos inferiores sendo locais de castigo ou renascimento.